A história de Portugal pode ser vista em dois grandes períodos:
1143-1986
1986 em diante.
Até 1986 e com numerosas cambiantes, a prioridade máxima de toda a política era... Existir Portugal.
Para tal, e basta olhar para o mapa para o compreender, há uma condição essencial: não sermos integrados em Espanha, numa "grande Ibéria" ou numa "enorme Castela".
Para isso lutava-se e, quando isso não chegava, pagava-se (aos Ingleses, aos Franceses, a quem fosse necessário) para nos manter independentes. Quase toda a política nacional de 1143, e sobretudo desde 1383 até 1986 pode ser vista como obedecendo sempre a esse grande desígnio. Toda a nossa vida política, militar, cultural, mas também económica e social respondiam a esse desígnio. De Aljubarrota à Restauração, dos acordos de Tordesilhas e das Descobertas e Expansão ao da expulsão dos Judeus, da troca das Canárias às invasões napoleónicas e à política ultramarinha, a nossa política e actuação nacional pretendia, antes de mais, assegurar que Portugal não seria parte de Espanha. Em 1985 apenas 4% do nosso comércio externo se dava com o único país com quem fazemos fronteiras - e temos fronteiras em torno de meio país...
O dia 01 de Janeiro de 1986 o eixo central mudou: passamos a ser parte de um espaço de integração económica e política... no mesmo dia de Espanha! Desde aí passamos a ser parceiros iguais e o existir já não dependia dessa potencial absorção pelo vizinho. Nesse sentido, a adesão à comunidade económica Europeia pode ser vista como a mais importante mudança da história de Portugal, em termos geopolíticos e de orientação da Nação.
Entre o Portugal Atlântico e Europeu, escolhíamos pela primeira vez um "mix" em que o Europeu tinha primazia.
Somamos a isso que nessa data estávamos há uma década em democracia e tínhamos (quase) terminado o ciclo de 500 anos de expansão marítima fora do nosso território original, voltando às fronteiras originais.
Ora, se lermos a história de Portugal deste modo... Vejamos:
a) Quem solicitou, contra a maior parte das opiniões de então, Francisco Sá Carneiro incluído, adesão à CEE? [1976/77]
b) Quem chefiava o governo que desbloqueou processo negocial dando carta branca aos negociadores, chefiados por Ernâni Lopes?
c) Quem assinou, como Primeiro Ministro, a adesão, a 12 de Junho de 1985, nos Jerónimos?
d) Quem era visto como líder da oposição política democrática, por ter criado o único partido não clandestino antes mesmo da revolução, e em contraponto com maior parte dos seus correlegionários, e ficou por isso como líder partidário que viria a ser o mais votado em 1975 e 1976?
e) Quem foi o Ministro dos Negócios que negociou a descolonização, que como se disse terminava 500 anos de história, mas terminava também guerra colonial anacrónica e sem qualquer apoio externo, antes isolando Portugal, mesmo em instituições como ONU, e tirando-lhe credibilidade na esfera internacional, seja junto de países ocidentais, comunistas e dos "não alinhados"?
f) Qual o Primeiro Ministro do Governo saído das primeiras eleições democráticas (1976)?
g) Quem protagonizou a segunda mudança política em Portugal? (nota: para muitos cientistas políticos é quando um país tem a segunda mudança de cor política por vias pacíficas e democráticas que se pode dar como sedimentado o processo de transição democrática).
h) Qual o primeiro presidente civil eleito em democracia (pós-Estado Novo), e o primeiro presidente após a extinção do Conselho da Revolução, marcando a entrada definitiva numa era de semi-presidencialismo civil, e uma separação definitiva dos poderes e o "regresso ao quartel" militares do poder?
Por incrível que pareça a resposta a todas estas questões, que abordam o tema Europeu e de orientação geopolítica, o da democratização e o da descolonização (ambos marcando séculos de transição, face a nossa história - com pequeno e confuso período de menos de 16 anos da primeira república), é sempre a mesma: Mário Soares.
A importância de Soares na história nacional, goste-se ou não se goste de Soares, não será pois minimizada. Terá direito a capítulos como o Marquês de Pombal ou Reis emblemáticos como Com Afonso Henriques, Dom João I, Dom João II, Dom Manuel ou Pedro IV... A influência de Soares marca a adesão à CEE que nos muda o ADN e nos lança numa era sem precedentes em termos de desenvolvimento e modelo de sociedade, Europeia e democráticas. Com todos os seus defeitos, este modelo levou-nos a um padrão colectivo superior.
Por isso aqui fica a devida homenagem de reconhecimento. Goste-se ou não, o papel de Soares na quebra de paradigmas e dar, em especial à minha geração, novos horizontes, é crucial, mais crucial que qualquer outra personalidade recente.
O homem que junta na mesma sala banqueiros e revolucionários
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