Três dos maiores legados que a Grécia socrática nos deixou foram:
- a sapiência da consciência da ignorância, "só sei que nada sei..."
- a humildade e o universalismo: "ser cidadão do mundo, mais do que Grego ou Atenienense... " significa ter noção da sua pequenez, e do respeito necessário ao "outro"... e do respeito ao planeta, e ao universal...
- o auto-conhecimento como imperativo moral: não posso melhorar um sapato senão o conhecer... (a adopção do Oráculo: "Conhece-te a ti mesmo")
Daqui derivam, e são esses os ensinamentos Socráticos em relação à educação e à aquisição de conhecimento:
1) a educação tem por objectivo imediato o desenvolvimento da capacidade de pensar, não apenas ministrar conhecimentos.
2) o conhecimento possui um valor prático ou moral, isto é, um valor funcional (...) - e, por isso, uma dimensão universal
3) o processo (...) para se obter conhecimento [passa pela] reflexão e da organização da própria experiência..
II.
O mundo mudou. Os fluxos de informação cresceram exponencialmente. Estima-se que 50% do que se aprende hoje está desactualizado amanhã. Um novo tipo de educação é necessário para um mundo em que MUDANÇA é a palavra chave. A adaptabilidade e flexibilidade, a mobilidade, e fundamentos sólidos (como sempre) são características vitais para a sobrevivência no amanhã.
III.
Assim, hoje como ontem, mais do que obrigar os alunos a debitar conhecimentos adquiridos, a Educação deve formar CIDADÃOS, e exige-se por isso ensinar a:
- organizar e estruturar ideias e argumentações
- ouvir de modo crítico e a construir contra-argumentações
- fazer crítica construtiva (a que não se limita à crítica mas EXPÕE claramente o que está "errado" ou é "questionável" e APRESENTA SOLUÇÕES ALTERNATIVAS.
- expôr e comunicar ideias, pensamentos, a encadear argumentos lógicos, de modo escrito, oral, por via da arte ou da expressão dramática... (e de preferência em múltiplas línguas e em variados suportes, adaptanto a linguagem a cada um deles)
- ser criativo... com método! (ver video )
Ensinar a Aprender a Aprender é a palavra de ordem e o objectivo de qualquer bom sistema educativo ou escolar.
IV.
As questões que se colocam, perante manifestações atrás de manifestações, mas sem que surjam propostas alternativas às do governo por parte dos docentes, são mais do que pertinentes, são vitais para o nosso futuro:
- o país sabe para onde quer caminhar e sabe como deve preparar o seu futuro?
- a classe docente nacional esquece o propósito da sua missão?
As respostas... não parecem ser óbvias...
A transição do modelo educativo exigido pela abertura do país ao exterior e evolução da sociedade e da economia, que colocam a mudança e a adaptabilidade no centro das competências individuais, a nível pessoal e profissional, é um dos maiores desafios do país (e da Europa, em geral).
No caso Português talvez apenas os desafios na área da Justiça e da Inovação (modelo de desenvolvimento económico) se lhe comparam.
Em detrimento de um ensino estruturado em função de elementos de memorização, que têm na aula magistral e no exame final o seu cerne, a chave passa a ser a aquisição de competências criativas, de flexibilidade, de descoberta, que gerem pessoas mais empreendedoras, mais críticas, mais exigentes, mais inovadoras.
A aquisição destas valências implicam modelos e condições de ensino mais interactivos e até mais subjectivos, com maior personalização do ensino. Estes novos métodos são muito mais exigentes para docentes, alunos, famílias e para o Estado. Por isso implicam maior responsabilidade por parte dos alunos, das famílias, dos docentes e do Estado...
A classe dos professores é formada na sua esmagadora maioria, por cidadãos educados em Portugal. Por isso são pessoas que, como a maioria de nós, foi esmagadoramente educada num sistema "estático", fundado na memorização, no saber "dos livros e dos professores" e não na investigação, na auto-descoberta, na pesquisa, no construir de soluções... Por isso ela se encontra impreparada, na sua grande maioria, para esta mudança radical de paradigma. Tal como, genericamente, a maioria dos demais funcionários públicos e ... privados.
A impreparação é a do próprio país: os professores representam bem o país que somos, nos seus aspectos positivos e negativos!
Dada a sua impreparação, que não é mais do que a impreparação do país para o novo paradigma de sociedade e de modelo de ensino, a classe docente reage, protesta, mostra-se indignada e desrespeitada. No essencial, se o direito à indignação, e o uso desse direito, é um dado positivo que mostra bastante melhoria face ao país de "brandos costumes", a verdade é que o modo como esse direito tem vindo a exercer é bem demonstrativo do que falta ao país: a classe docente protesta, critica, mas não o faz apresentando propostas alternativas. A classe docente reage, pois, como o normal cidadão: critica mas não tem, ainda (espera-se), capacidade para formular respostas próprias, alternativas. Ou seja: os docentes não são capazes de fazer crítica construtiva. Como a maioria das demais classes, em Portugal.
O Estado, ou o Governo (que neste caso é a sua voz), também mostra alguma incapacidade de diálogo. Mais uma vez: as propostas mostram um Governo capaz de (pelo menos parcialmente) fazer propostas no sentido de dar resposta aos problemas das sociedades contemporâneas e de melhor preparar a gerações futuras para as necessidades que elas terão de enfrentar (ao contrário dos governos do Estado Novo, sendo por isso um passo positivo) MAS mostram também um modelo de governação que não o consegue ainda (espera-se) fazer de modo inclusivo, comunicando e trazendo para o lado da reforma a classe profissional mais directamente ligada a essa mudança... A própria forma de agir dos governos mostram ainda uma sociedade em aprendizagem e com pouco treino de "conversa Construtiva"...
O conflito a que assistimos tem ESTE pano de fundo (em que decorrem os flashes mediáticos, a discussão de aspectos técnicos, as lutas partidárias - infelizmente, porque este assunto é demasiado sério para ser usado para esse fim -, e algumas questões relacionadas com a implementação de políticas e medidas).
V.
É pena que o Governo não saiba (e agora já não possa) alterar o discurso e o modo de comunicação(mais do que as políticas) antes das eleições, pois teria mais sucesso na implementação das políticas definidas. Neste processo, o Governo e o país viu gastar-se tempo, energia, recursos, e não conseguir implementar políticas... Ou seja: cria-se ineficiência por falta de capacidade de comunicação e diálogo construtivo. Este um espelho do que acontece em muitas área da sociedade...
Na prática, ficou patente que ainda não temos uma classe política capaz de COMUNICAR, porque para isso não nos preparava a Escola (nem a família, nem a Universidade...).
Nota: Veja-se a diferença em relação ao "falar em público" nas sociedades anglo-saxónicas.
É pena que a classe docente, talvez não analisando bem a sua missão e o modo como deveria enquadrar a sua função, não consiga não apenas contestar mas apresentar propostas alternativas que se focassem - mais do que nos direitos adquiridos - nas necessidades de um ensino que tem de ser capaz de gerar jovens com competências pessoais e com conhecimentos bem diferentes daqueles que eram necessários há 20 anos atrás.
Na prática a classe docente mostra que não está preparada para criar uma geração com capacidade crítica construtiva, porque ela própria ainda não é capaz de a fazer.
VI.
Este conflito espelha, na perfeição, a nossa fase de desenvolvimento enquanto sociedade. Nem mais, nem menos.Na prática continuamos o longo caminho que temos de percorrer, de fazer evoluir mentalidades...
Estamos ainda a pagar o alto preço de termos tido décadas, senão séculos, de aposta na ignorância ou, quando muito, na memorização, e não numa educação para a cidadania, com cidadãos informados e com capacidade de desenvolver ideias próprias e de as transmitir de modo coerente...
Este conflito é o mais perfeito exemplo, senão mesmo o mais grave sintoma, desse moroso e penoso processo.
PS: O caso do Ministério da Saúde, em que a simples saída do Ministro (que havia pensado as políticas!) foi suficiente para diminuir os problemas de comunicação ... poderia ter servido também neste caso... As políticas são as mesmas, o modo de implementação menos agressivo, os resultados da implementação bem superiores, com menos contestação e desperdício de energia e recursos...
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