2009-07-20

Credibilidade e Política...

O problema da credibilidade da classe política, ou da falta dela, continua a ser uma das peças que explica o afastamento crescente da coisa pública dos Portugueses, contribui para a falta de confiança no Estado e, até, no próprio país e, em alguns casos, justifica o não exercício de direitos de cidadania e até serve para "justificar" condutas eticamente impróprias e pouco desejáveis: "se eles podem, eu também posso"....

Vem isto a propósito do actual estatuto de arguidos de Arlindo Cunha e Dias Loureiro, mas também das acusações mútuas - provavelmente, para mais todas justificadas - de todos os principais partidos: PS, PSD, BE, PP, e o PCP.

Todos têm razão porque, é correcto dizer, como José Sócrates: "O dever de um líder político é fazer propostas e apresentar o seu programa" - e é verdade é que os líderes de todos os partidos da oposição passam bastante mais tempo a criticar do que a propor - excepção, talvez, para o PP, que se tem desdobrado em propostas (mas aí levanta-se, muitas vezes, questões de exequibilidade e de coerência...). O caso mais gritante é o do PSD - como brilhantemente ilustra Ricardo Costa, numa carta que se recomenda... - - o PSD havia prometido apresentar o seu programa no início de Julho mas não o fez, e isso é mais grave quando é um partido que aspira a liderar o próximo Governo e nem esclarece uma questão de âmbito Constitucional e de Regime - levantada por um seu destacado líder... Mas não é menos verdade que após uma legislatura, também está em causa "julgar" a acção dos diferentes partidos e, em especial, daquele que apoiou o Governo. É, e será sempre, este duplo sentido o do voto, em democracia: o de avaliar o passado e de trilhar um caminho para o futuro, na prática, o voto é simultaneamente um julgamento da acção passada - o voto sustenta a continuação do mesmo rumo ou suporta a sua mudança - e uma avaliação das propostas para a próxima legislatura...

Para aumentar a percepção pública de uma classe política sem escrúpulos, e de "faz de conta", vem a questão dos "tachos" (a constituição das famosas listas não é bonita em nenhum partido) o aproveitamento mediático das amizades entre pessoas, políticos, que aparentemente não se suportam - o caso de Jorge Coelho e Dias Loureiro é o mais famoso, mas há outros, eventualmente não menos surpreendentes. Compreende-se bem que amizade e debate político sejam coisas que não devam ser misturadas, mas misturam-se quando esses mesmos políticos tornam debates - que seriam edificantes - de ideias, em discussões sobre personalidade e sobre carácter, e usam linguagem que não é própria entre adversários, quanto mais entre amigos...

A questão de fundo é clara: a falta de mobilidade das elites, que se protegem e perpetuam, barrando acesso a novos grupos, e limitando a sua renovação, ou o refrescar das ideias... E isso é sobretudo visível no PS e no PSD, e até no PP, os partidos do arco da governação (mas acontece também no PCP, de modo diverso). No fundo, é o problema de uma "Aristocacia" que gera uma quase "oligarquia", com problemas de "consanguinidade", como se demonstra agora ter sido um dos maiores problemas das famílias reais Europeias...

2 comentários:

Joaquim Ferreira disse...

EU CARO.. Em que ficamos? é UMA NO CRAVO OUTRA NA FERRADURA? O SENHOR AFIRMA "é correcto dizer, como José Sócrates: "O dever de um líder político é fazer propostas e apresentar o seu programa" - e é verdade é que os líderes de todos os partidos da oposição passam bastante mais tempo a criticar do que a propor"... DEPOIS ACRESCENTA IMEDIATAMENTE "excepção, talvez, para o PP, que se tem desdobrado em propostas" E ACABA POR DESVALORIZAR AS PROPOSTAS DIZENDO "(mas aí levanta-se, muitas vezes, questões de exequibilidade e de coerência...)." ASSIM, NINGUÉM PERCEBE. SERÁ UM DEFEITO DOS SOCIALISTAS? Uma no cravo outra na ferradura? Foi isto que fez José Sócrates. Criticou os sindicatos por não apresentarem propostas (quando sempre apresentaram apenas alterações às dos governos que em eles sim, obrigação de governar!) Se não apresentam só criticam... Se apresentam propostas... pecam por falta de "exequibilidade e de coerência" ? EM QUE FICAMOS? Decida-se!

O moscardo disse...

Antes de mais, agradecer o seu comentário, que creio merece uma resposta, dada a sua pertinência.

Como compreenderá, uma coisa é fazer propostas - o que é positivo, e dever dos partidos -, outra a qualidade das propostas. Uma parte da "qualidade" tem relação com aspectos subjectivos diversos - alinhamento ideológico, metodologias de aplicação, etc. Outra, porém, tem relação com questões objectivas, concretas, como a exequibilidade da proposta e sua coerência com outras medidas defendidas pelo mesmo Partido. Ex: eu poderia propor que "todos os Portugueses passem a ter rendimento mínimo garantido de 5000€". É uma proposta concreta, mas demagógica porque não exequível no actual contexto económico (e já nem discuto se seria coerente com um qualquer critério de Justiça...).

O que entendo é que, no último
mês, e em relação a propostas para a próxima legislatura, o PSD (sobretudo), o BE e o PCP têm gasto mais tempo e energia na crítica destrutiva (que não propõe alternativas) do que construtiva (que crítica para contrapor as suas propostas). O PP tem apresentado propostas mas, muitas delas, inexequíveis. O PS não tem explicado frontalmente as promessas não cumpridas. É apenas isso que digo. Não é contraditório. É uma análise comparativa do comportamento dos 5 concorrentes.

Claramente, o BE, o PCP e o PP, nesta legislatura, foram partidos que apresentaram bem mais propostas "por eleito" do que o PSD - também fruto das diversas lideranças de rumo e de liderança que o PSD foi tendo.
Para mais, em relação às próximas eleições, é natural que BE e PCP, cujos programas são muito mais marcados ideologicamente, possam passar muito tempo na crítica, pois as suas propostas são claras - sobretudo as do PCP/CDU, pois as do BE são por vezes pouco claras (programaticamente defende uma economia mais Estatizada, mas não se compreende se, por exemplo, e de facto, defende nacionalização de EDP, Galp, etc., ou a saída da União Europeia - muitos discursos de Miguel Portas ou de Louçã deixam-me dúvidas sobre se, uma vez no Governo, o iriam de facto tentar...)

Quanto ao PSD, espera-se uma clarificação programática em várias áreas (obras públicas - qual o caminho que realmente PSD seguiria, rasgaria acordo com Espanha? Se sim, que o diga mais claramente...; apoio PME e enquadramento da gestão QREN/apoio internacionalização; questões constitucionais e de regime; Justiça; Educação; Cultura; etc...). Para mais, do PSD, esperam-se que não só que as propostas mostrem o que o distingue claramente do PS como sejam propostas exequíveis, em função de ser um Partido que deseja liderar Governo, e em função das declarações da sua líder.
Do PS espera-se uma abordagem directa sobre o que falhou, o que pretende corrigir, o que pretende alterar, e os porquês de tantas promessas não cumpridas.
Qualquer um dos 5 partidos (PCP/CDU incluido como uma só unidade), deve pois desempenhar o seu papel - criticar (incluindo auto-crítica, não só do PS mas de todos), indicando o que mudaria em si, e o que propõe para o país, de modo realista (ou seja: explicando, sempre que possível, o COMO o faria - algo que muito raramente fazem...).

O post não se trata, pois, de "uma no cravo outra na ferradura": trata-se de dizer que nenhum destes 5 concorrentes deu ao eleitorado esclarecimento sobre o que pretende fazer e sobre o que admite ter feito bem e mal... aceitando depois as escolhas dos eleitores. Em vez disso, têm-se preocupado mais com críticas negativas, acusações a terceiros, desculpabilizações, e sem assumir compromissos... E não dignificando, em muitos casos, a política, antes sobre ela lançando suspeições, o que é mau para o próprio país... e para a Política, algo qeu deveria ser nobremente tratado...