2009-09-20

Não Tratado...

Em 1997, num regresso a Copenhaga um ano após lá ter vivido por alguns meses, notei umas grandes obras junto à estação central e perguntei a um amigo o que se passava...
"São as obras para o metro", disse-me.
"Metro?" perguntei, "...mas vocês já têm um!"
"Não, temos apenas comboios urbanos..."
"Mas não têm cruzamentos (ou vão por túneis, ou por viadutos ou ao lado dos carros mas com desníveis de vários metros) e fazem o mesmo, além de nunca estarem cheios e funcionarem perfeitamente. Vocês nem têm engarrafamentos. Não precisam de metro!", disse o incauto Tuga (eu).
A resposta, que nunca esquecerei, marca ... um estado civilizacional, naquele que considero o mais avançado país dos quantos conheço (nota: nunca estive no Canadá ou na Nova Zelândia, mas conheço bem todos os países Europeus e os Estados Unidos):
"Não precisamos hoje, mas talvez precisemos daqui a 20 anos!"...
É um dos muitos episódios que marco dos meus contactos nórdicos...

Vem isto a propósito da nossa campanha eleitoral. Ela faz lembrar o futebol do nosso campeonato nacional: equipas aguerridas, lutadoras, jogos com muitas controvérsias e picardias, mas sem que se veja uma ideia de fundo, clubes construídos em nome de uma estratégia e de um projecto de futuro - e que não se limitem ao imediato e às dívidas acumuladas e à sobrevivência, equipas que procurem de facto ganhar o jogo - em vez de apenas não o perder... Ainda que com debates vivos, e até interessantes, há diversas áreas que nunca foram tocadas nesta campanha... Talvez futebol e política reflictam, afinal, quem somos...

Para começar, a dimensão internacional. Nem sequer a dimensão Europeia - nem do Tratado de lisboa se falou!! Para um país com o grau de abertura da nossa economia, de tal modo dependente e interdependente do resto do mundo, com a nossa história e tão envolvido no processo Europeu, e com o seu futuro tão ligado a essa dimensão, não se compreende. Não falar de Europa, de África, de Relações com o Brasil (para mais nesta altura, em que o Brasil se posiciona como uma nação chave no mundo, como nos ensina, sempre sabiamente, o Professor
Adriano Moreira.

Outra área nunca falada, para além do nosso posicionamento no mundo: a Defesa. Esta função primeira do Estado, para quem não se recorde... E Defesa não são só assuntos militares... Está intimamente ligada a políticas como a da preservação da língua, defesa do património e legado histórico, presença nos centros de decisão internacional, diplomacia económica, políticas e presenças em redes de investigação e de partilha de conhecimento, o factor produtivo crucial para o desenvolvimento do país... Porque estar na NATO assegura mais do que mandar homens e meios para a Bósnia ou o Afeganistão: é a imagem do país e o direito a sentar-se em determinadas mesas, onde o nosso destino se vai decidindo...

Depois, no campo interno... a Justiça. Quase não se tem falado. Porém este é o sector mais crucial, a curto e médio prazo para o país:

1. em termos políticos e de Estado, porque o seu não funcionamento põe em causa a credibilidade das instituições e do próprio sistema democrático. Nenhuma sociedade democrática se manterá, a prazo, se não houver confiança nas instituições que lhe dão corpo...

2. em termos económicos: ninguém faz de taxista se não souber que lhe vão pagar no fim da "corrida". Não se pode estar no mercado sem saber se nos pagam e sabendo que a Justiça não dará resposta e, portanto, sem meios legais de obter pagamento. É a confiança, de novo, o elemento essencial da actividade económica. Se a justiça não actua, premeiam-se os free riders, os que não cumprem, e condena-se a economia. Não por acaso consultoras internacionais, todas elas, ao falarem da tractividade de Portugal para o investimento, colocam a incapacidade de resposta da justiça como o primeiro - e em muitos casos quase único - grande entrave!

A reforma da Adminsitração Pública. Nem o PS fala dos progressos conseguidos e da diminuição sem precedentes no número de efectivos - como prometera em 2005, nem a oposição fala da contestação, da insatisfação no interior da mesma, nem da "partidarização" da Administração visível a olho nu?

Mas tmbém a Saúde pouco tem sido falada. Nem a oposição capitaliza o descontentamento, o aumento dos preços e das novas taxas, da importação de médicos, nem o PS vem defender a subida do nível do sistema, da diminuição drásticas dos tempos de espera, da melhoria que os utentes efectivos do serviço, em geral, dizem sentir... ? Estranho silêncio...

Ora... e porque será que destes temas (quase) não se fala? Será que estão todos de acordo? Ou será que pelo menos PS e PSD estão de acordo? Ou será que é porque não produzem os maravilhosos 7 segundos para abrir noticiários? Ou será que são temas demasiado sérios? Ou que exigem demasiada ponderação? Ou porque não interessam aos meios de comunicação social, sobretudo às televisões, como diz o Abrupto Pacheco Pereira? Mistérios... que em nada beneficiam o país, que só ganhava em que todas estas questões fossem debatidas!

ACT: há artigos interessantes sobre as mudanças que ocorrem no país, sendo tratado, por todos os partidos, como se tudo estivesse na mesma (neste caso, como se desemprego fosse todo igual...), aqui

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